quarta-feira, 4 de maio de 2011

ATLÂNTIDA





Eu vi uma cidade flutuar submersa.
Seus portos, ruas, praças e mendigos soçobraram
Mumificados pelo pó de antigas crenças,
Dogmas, certezas e verdades inabaláveis.

Eu vi tal cidade ser tragada pelo oceano
Qual dejetos capturados no triturador de alimentos
E vi pernas, braços,seios, mãos, dedos, todos cortados,
Fatiados num sinistro salame, banquete de Posseidon.

Eu vi os corpos aos pedaços
Naufragarem cegos, surdos, atordoados,
Claudicando suas dores, arrastando correntes,
Num turbilhão de delírios, convulsões e marasmos.

Eu vi seus habitantes não verem
Que haviam sido devorados, que nada permanecera igual
Pois que tudo de fato pouco se modificara:
Superfície e profundeza igualavam-se no vazio.

Eu vi uma cidade ser tomada pelas trevas,
Iluminada por luzes de neon plasmático.
A meia-noite ser o meio-dia.
Rostos opacos tornarem-se translúcidos.

Eu vi plâncton fértil ser trocado por pílulas multicores;
Amantes, professores, médicos, sacerdotes, por seu simulacro virtual.
A água-mãe em acre vinagre se transmutar
E o pão nosso de cada dia converter-se em pedra.

Eu vi o fim dos tempos - ou o início? -
Vi a Arca da Aliança ser rompida,
Sodoma, Gomorra, Babilônia, Nínive virarem sal.
Ícaro incendiar-se, bola incandescente, rumo ao sol.

Eu vi o Alfa encontrar o Ômega,
O Sétimo Selo ser estraçalhado,
Eros e Tanathos se beijarem em conjunção carnal,
Deus e o Diabo se fundirem no derradeiro Caos.

Eu vi uma cidade flutuar submersa.

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